Quem vive de instantâneo, não aprende a filtrar.
E se todas as experiências que vivemos são escolhidas por um algoritmo, quem está, de fato, vivendo essa vida?
Meu primeiro vislumbre desse iceberg começou em 2020, quando eu escrevia meu TCC.
Sim, um TCC no meio da pandemia, que investigava mais de perto o papel de influência da Miquela, uma garota 3D, que se comporta como humana nas redes sociais.
Para minha surpresa, em 2018, Miquela foi eleita como uma das 25 mulheres mais influentes da internet naquele ano, pela revista norte-americana Time.
Isso mesmo. Uma influencer que não existe estava no trend topic de mulheres influentes, mesmo sem existir de verdade.
Esse dado ficou orbitando minha mente por meses e foi piorando a cada nova descoberta.
Uma parcela significativa do público de Miquela parecia não entender que se tratava de um 3D. Haviam perguntas sobre quais filtros ou maquiagens que ela usava. E muitas, muitas, muitas perguntas se ela existia ou não.
Foi bastante assustador perceber o nível de filtros e edições que usamos normalmente, a ponto de um 3D se assemelhar a um humano real nesse nível. Se você já topou com uma imagem de Miquela por aí, sabe que ela nem tem um acabamento tão realista assim para gerar tamanha confusão.
Mas tinha algo ali que me impactava mais: numa simples pesquisa de Google, você encontraria a resposta. Ela não era real, era um produto de um time de pessoas, que arquitetava suas roupas, gostos e comportamento de acordo com tendências.
A dúvida gerou tanta repercussão, que um dado momento, os criadores passaram a escrever na biografia do perfil: ROBOT GIRL, para que ficasse mais explícito.
Toda essa história diz muito sobre como andamos consumindo, pensando e nos influenciando na internet.
Como uma boa criança dos anos 90, cresci a primeira infância sem internet, celular, tablet ou computador. Meu primeiro contato com computador foi quase aos 10 e era extremamente limitado. Por isso, vivi e desenvolvi muitos interesses offline.
Interesses que levei pro mundo online na adolescência, através de fóruns, comunidades do Orkut e salas de bate-papo super específicas.
A dinâmica parecia ser contrária: você garimpava seus interesses no mundo e usava o online pra encontrar mais sobre o assunto e falar com pessoas que também curtiam aquele universo.
Nesse ponto da conversa, tenho certeza que você já está pensando o mesmo que eu: hoje, a curadoria é o algoritmo e seu trabalho é meramente fazer o react.
Acha que não?
Você abre a Netflix, e pelo cansaço mental e falta de tempo, vai direto nas opções indicadas pelo algoritmo.
Depois, se cansa de assistir e abre o TikTok. Então passa horas consumindo vídeos de pessoas que você não conhece, sobre assuntos que, também, um algoritmo entendeu que te prenderiam mais tempo por ali.
Aí, entra no Instagram buscando nomes mais familiares, e entre os Stories, visualiza conteúdos discretamente patrocinados.
Nas lojas, encurtamos a escolha pegando os best-sellers.
E tudo bem. Consumir a curadoria de um algoritmo ou a sugestão média de outros consumidores é parte de viver nessa sociedade.
Mas o que será que essa preguiça de garimpar os próprios interesses esconde?
Estamos nos viciando em conteúdos cada vez mais homogêneos.
Tudo é feito pra agradar a todos. E ao mesmo tempo, tudo que chega até mim deveria ser pra mim. Deveria?
Nos desacostumamos com o desconforto.
O desconforto de ter que esperar o dia e a hora da programação para poder assistir.
O desconforto de ter que ler um livro até o final e descobrir que detestamos.
O desconforto de conversar com alguém e no meio do papo, perceber que ela tem uma visão de mundo completamente distinta da sua.
Nos acostumamos a ter um algoritmo sempre disponível para nos poupar do desconforto.
E assim, entramos no chamado filtro-bolha, que nos coloca cada vez mais fundo em um looping de conteúdos parecidos, pensados não para nosso desenvolvimento, mas para prenderem nossa atenção.
O problema de tudo isso, é que quando não pensamos ativamente na nossa curadoria, automatizamos também nossa visão de mundo.
Sim, afinal, somos uma média das pessoas com quem convivemos, o que lemos, ouvimos, consumimos diariamente.
Nossas opiniões, nosso vocabulário e nosso conhecimento gira em torno das experiências que temos.
E se todas as experiências que vivemos, são escolhidas por um algoritmo, quem está, de fato, vivendo essa vida?
Estamos deixando de ser humanos para nos tornarmos produtos digitais.
Usamos as mesmas roupas, aderimos ao mesmo aesthetic, rimos dos mesmos memes, ouvimos as mesmas músicas (na verdade, trechos das músicas.. aquele que toca na trend do TikTok).
Quanto mais views, mais valor.
Quanto mais seguidores, mais autoridade.
Essa experiência tem deixado as pessoas mais achatadas. Como se perdessem parte da magia que é ter uma personalidade própria, interesses contradizentes e complexidades. Viramos personagens.
Não acho que exista uma resposta simples e fácil, mas tenho tentado praticar algumas coisas para reduzir isso na minha vida:
Adotei o feed de quem eu sigo no Instagram: tenho evitado rolar muito pela aba de reels ou explorar e ficado mais na curadoria de pessoas que eu sigo.
Iniciei uma limpa nos perfis que sigo: comecei a revisitar o que ando seguindo, pois percebi que muitas coisas que apareciam pra mim, não me eram interessantes de verdade.
Reduzi o tempo no celular: estou monitorando bem mais o uso de redes sociais e me forçando a viver mais momentos lentos, reflexivos e contemplativos.
Me tornei mais consciente das escolhas que fazia sem perceber: quando um conteúdo pula na minha tela, tento pensar se quero mesmo consumir ele, antes de sair lendo 300 comentários ou assistindo um parte 02 apenas por curiosidade.
Voltei a estudar sobre assuntos e não apenas seguir pessoas: ler livros sobre filosofia, história, arte. Assistir documentários. Pensar um pouco mais profundamente para voltar a expandir meu ponto de vista.
Sinta-se convidado pra testar essas atitudes e tirar suas próprias conclusões.
Espero que esse conteúdo tenha soado como um convite para sairmos do automático um pouco.
Esse texto longo deve ter sido abandonado no meio pela maioria.
Se você chegou até aqui, deixe um comentário para eu saber que não falo com meu próprio eco.
Até a próxima (: